O "samba", enquanto processo artístico e "cultural" produzido pelas classes populares brasileiras, marco da experiência urbana racializada outrora duramente reprimido e barbarizado em corpos negros, tornou-se, no processo da nação, símbolo maior da representatividade coletiva, cooptado pelo estado e pelo mercado. O samba-símbolo-do-Brasil percorreu ditaduras e pseudo-democracias para chegar aos dias atuais altamente coevo com o racismo estrutural e com as políticas privativa-estatais quase nada populares. Por outro lado, fervilha em produções multifacetadas e antropofágicas extraordinariamente criativas por todo o Brasil, incorporando formas mutantes, inclusive transnacionais, "ancorado nos usos 'selvagens' da tecnologia", como gosta de pensar o intelectual baiano Osmundo Pinho (de quem emprestamos o título do disco). Assim, percorrendo esta corda bamba, o "samba" habita tamanha contradição e talvez já não faça questão de representar nem nação nem a imagem cristalizada de si mesmo...
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Relatos fictícios e/ou pseudo-biográficos de um autor que persegue cotidianamente ruas, coletivos e singularidades históricas. Passinhos de revide, contragolpes. Grooves dançantes e frenéticos, resultados de alguma improvisação que rolou durante as gravações. Um cavaquinho valente enfrentando duas guitarras. Polifonias rítmicas. Interpretação apaixonada de quem vive o hoje. Frevo que comemora o erro. Marcha que não encerra a dúvida. "Hora Marcada" é uma regravação, cantada originalmente em Soledad por Bjanka Vijunas, e coube no enredo do disco. "Pedras palavras" também não é original, nasceu primeira com a NÃ e deve entrar no segundo álbum da banda. "Sete flechas" aponta para um devir revolucionário enquanto essência humana, o que cabe bem no corpo-e-alma de nossas duas participações, Marco Nalesso e Acauã. Samba barbarismo busca alguma ousadia, ou fôlego que seja. Reflete sobre (con)tradições. Reverencia quem nunca se rendeu. Reconhece os riscos. Feito através de relações não-monetarizadas, na política dos afetos. Ou em busca dela.
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Além de mim na guitarra e Babalu na bateria, tem o Yuri Braga na percussão, Fidura Cardial na guitarra e Fernando Saintive no cavaquinho. Thiago gravou baixo acústico em 5 faixas e deixou todo mundo em êxtase. A Lílian Rocha colou, ajudou na formatação dos côros, mas não gravou, imponderáveis da vida. Quem canta é a Aline Mareá. Na real fiz todas as músicas pra ela cantar, ou seja, pensando nela como interprete. Aline, "mulher de candomblé", tem um trabalho comprometido com a educação musical e com o jongo, canta com o Bukassa Kabengele e pirou com esse trabalho "contemporâneo". Minha conterrânea e amiga de longa jornada.
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Michel de Moura, setembro de 2017.
credits
released August 5, 2017
Gravado no estúdio Da Mata (Jaçanã, SP) em maio de 2017
Mixado em São Paulo por Thiago Babalu e Ali Zaher
Masterizado no Rio de Janeiro por Emygdio Costa
Com:
Aline Mareá - voz
Michel de Moura - guitarra e voz
Fernando Fidura - guitarra
Fernando Saintivie - cavaquinho
Yuri Braga - percussão
Thiago Babalu - bateira
Thiago Pereira - baixo acústico
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Marco Nalesso - viola em "Sete flechas"
Acauã Capucho - texto e voz em "Sete flechas"
Côros - todo mundo menos o Babalu que estava gravando
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Fotografia - Léo Eloy
Design gráfico - Michel de Moura, Ana Flora e Yuri Braga
Agradecimentos: quem participou, de perto ou longe; quem ainda vai participar, quem convidar a gente para fazer show, bandas NÃ, Alquifonia, Acauã, Fundação, galera do ABC, Guarulhos, Ideário S.A. e pra você que está aí ouvindo enquanto tecla nas redes sociais.